Há alguns dias assisti a um programa de TV no qual as apresentadoras falavam sobre o racismo. Elas comentavam sobre o episódio ocorrido com a atriz Taís Araújo, após o qual uma multidão declarava a frase “#SomosTodosTaisAraujo”, numa grande manifestação de solidariedade e de apoio à exterminação das atitudes racistas no Brasil. Mas o que me chamou a atenção foi o comentário de uma das apresentadoras: “Gente, nós NÃO somos todos Taís Araújo. Não temos ideia do que é ser negro. Simplesmente porque NÃO somos negros!”. O comentário dela me fez pensar nos pacientes com câncer.
Trabalho com pacientes oncológicos há pelo menos 15 anos. Converso com eles todos os dias, com seus familiares, seus amigos, com a psicóloga que os acompanha, às vezes até com o padre da sua cidade. Assisto as dificuldades que eles passam durante o tratamento, as mudanças que têm que enfrentar em suas vidas, suas angústias, seus medos. Escuto filhos apavorados com a perspectiva de perderem seus pais, e mães angustiadas com a possibilidade de deixarem seus filhos. Vejo a alegria em seus olhos quando uma etapa termina, o alívio quando os exames mostram bons resultados, a esperança quando tudo está indo bem. Assisto mulheres preocupadas em como disfarçarão a ausência dos cabelos, e homens receosos com a situação financeira da família no futuro. Participo das suas histórias muito de perto. Sei bem como é ter câncer. Só que não.
A experiência vivida pelos outros, por mais próximos que eles sejam, jamais será a nossa própria experiência. Eu nunca saberei que gosto tem o café na boca das minhas filhas, ou como é que elas enxergam a cor verde. Nunca poderei saber de que jeito é “sentir angústia” para elas, ou por onde vagam seus pensamentos pouco antes de adormecerem. Da mesma forma que não tenho como saber como é ter câncer, porque eu não tenho (pelo menos, não que eu saiba).
Mas o fato de não sermos capazes de vivenciar exatamente a experiência dos outros não nos proíbe de tentar. Quando nos propomos, de coração aberto, a escutar o que o outro está dizendo, olhando em seus olhos, prestando atenção total em seus gestos, tentando compreender com o máximo de exatidão possível as suas emoções naquele momento, estaremos no mínimo mais próximos. Mesmo que não possamos estar lá dentro. E “estar bem próximo” pode, muitas vezes, ser mais que suficiente. A compreensão do sofrimento do outro, mesmo que incompleta, é muito mais que nada. É através dessa aproximação que conseguimos pensar em como ajudar, oferecer um conselho, um remédio, um abraço, um sorriso. É assim que conseguimos acertar, com muito mais eficiência, a estratégia mais adequada para promover alívio. Não vou sentir o mesmo gosto que o café tem para minha filha, mas se eu puder escutá-la dizendo “mamãe, isso é amargo demais pra mim!”, vou saber que uma colher a mais de açúcar pode resolver o problema.
E é assim, num esforço contínuo e consciente de aproximação com o outro, que podemos ter pelo menos uma ideia de como fazer alguma diferença na vida alheia. Afinal, #SomosTodosSeresHumanos.
25 de novembro de 2015 às 16:39
Mais uma vez e você foi magnífica !!!
CurtirCurtir
25 de novembro de 2015 às 19:09
Magníficos somos todos nós, Fri! Bjos!!!
CurtirCurtido por 1 pessoa
25 de novembro de 2015 às 21:08
Realmente, uma reflexão necessária. Por mais que se deseje e tente, colocar-se no lugar do outro não é missão fácil. Talvez, missão impossível! Compreender a si nem sempre é totalmente exitoso. Convivo comigo há mais de 50 anos e “eu”, de tempo em tempo, surpreendo a “mim”.
De qualquer forma, o processo (aqui compreendido como uma ação contínua e progressiva) de buscar o ponto no qual imaginamos que o outro se encontre, ainda que não nos coloque nessa exata posição, ao menos nos dá a oportunidade de ficar mais próximos – e, assim, mais sensíveis – do sofrimento alheio e, sobretudo, das angústias que essa condição provoca.
Só o fato de nos afastarmos de nossa zona de conforto e iniciar o trânsito em direção à zona de desconforto do outro permite-nos um maior grau de (verdadeira) empatia. Aguça-nos a sensibilidade. Desperta-nos o natural desejo humano, hoje um tanto adormecido, de cuidar do outro.
Portanto, aderindo à reflexão da caríssima Ana Lúcia e lhe parafraseando, vale a pena fazer esse movimento em direção daquele que carece de nosso auxílio, pois assim “estaremos no mínimo mais próximos” do próximo!
É a opinião de quem lutou uma difícil e longa batalha ao lado de sua mãe, contra um câncer. O câncer venceu a guerra orgânica. Nós, vencemos o medo de estar perto de quem se ama num momento tão difícil e, dessa forma, ainda que sem poder partilhar a dor alheia, a proximidade nos permitiu conjugar o verbo amar em todos seus tempos e modos.
Não podemos nos colocar no lugar do outro, mas podemos amá-lo e numa intensa proximidade deixá-lo perceber esse sentimento. O corpo é finito; o amor, eterno!
CurtirCurtido por 2 pessoas
26 de novembro de 2015 às 06:08
Belíssimas palavras, Vanderlei! Obrigada por ter compartilhado aqui. De coração! Abraços!
CurtirCurtir
25 de novembro de 2015 às 23:25
Adorei esse texto. É de uma sensibilidade e humanidade impressionante. Você é incrível e transmite todo esse amor através do olhar, do sorriso, do abraço, de todo o seu ser. Obrigada por tudo. Bjos
CurtirCurtir
26 de novembro de 2015 às 06:06
Você é que é demais, querida! Adoro poder ter vc na minha vida! Bj!
CurtirCurtir
25 de novembro de 2015 às 23:27
Vc é ótima! Parabéns …
CurtirCurtir
26 de novembro de 2015 às 06:07
Obrigada, Nidia, fico muito feliz que vc tenha gostado do texto! Bjo!
CurtirCurtir