*tradução livre do texto publicado pela Dra. Kathryn B. Kirkland, médica paliativista, no USA today
Desde que o senador americano John McCain anunciou seu diagnóstico de câncer cerebral, um coro de vozes ao redor do mundo passou a estimulá-lo a “lutar contra o câncer”. Mas McCain nos lembra que, diante de uma doença ameaçadora da vida, o que importa não é o fato de ser um lutador. O que importa é o motivo da sua luta. Familiares, amigos e médicos de pacientes com doenças críticas precisam ter essa diferença muito clara em suas mentes.
Metáforas invocando guerra, batalha e espírito de luta são frequentemente utilizadas em resposta a um diagnóstico de câncer. Elas são muitas vezes ouvidas nas vozes das famílias de quem enfrenta doenças graves e com prognóstico sombrio nas UTIs. Isso não é uma surpresa. A adversidade muitas vezes desperta o impulso de lutar. Esse impulso pode ajudar aqueles que estão enfrentando desafios difíceis mas que são superáveis, como um câncer curável, por exemplo.
Mas esses lutadores deveriam sempre lutar contra a doença? O que acontece quando uma doença é incurável e provavelmente o levará à morte – como é quase certo no caso de McCain? Deveríamos renunciar à linguagem da batalha, como alguns especialistas em Cuidados Paliativos sugerem? Eles nos alertam sobre a possibilidade de que isso crie uma sensação de vergonha e fracasso quando a doença progride: “Eu não devo ter lutado o suficiente. Eu desapontei minha família.”
Certamente, a comunicação clara a respeito de objetivos atingíveis é importante, pois assim pacientes não permanecem lutando contra o impossível sem ter ideia disso. Como aponta o Dr. BJ Miller, paliativista, a guerra contra a morte é uma daquelas em que, em última instância, ninguém vence.
Mas há um efeito colateral ainda mais trágico quando assumimos que guerreiros deveriam sempre batalhar contra a doença: a perda da oportunidade de lutar por coisas que são mais importantes – e atingíveis. Coisas como tempo com a família, a conclusão de planos, a recuperação de relacionamentos e mesmo listas de desejos a serem realizados antes de morrer.
Quando um paciente em cuidados paliativos me diz “Eu sou um guerreiro”, eu não digo a ele que a luta é inútil. Em vez disso, pergunto: “E pelo que nós devemos lutar?”
Uma vez que compreendo o que é o mais importante para meus pacientes, eu posso usar meu conhecimento médico sobre o que é possível para ajudá-los a direcionar sua “luta” para objetivos atingíveis. Eu também posso ajudá-los a evitar o desperdício de uma quantidade finita de tempo e energia com objetivos inalcançáveis.
É claro, alguns tipos de câncer são curáveis, e lutar com todas as armas para superá-los é a escolha que muitos fariam. Mas outros enfrentam tumores malignos que vão quase que certamente ceifar suas vidas, e que podem resultar na perda de habilidades essenciais antes disso. Diante de uma ameaça dessa natureza, é vital que auxiliemos as pessoas a escolher pelo que querem lutar.
As atitudes de McCain têm mostrado que ele compreende isso. Diante de uma doença grave, ele tem priorizado tempo com a família, e expressado suas ideias sobre questões como o banimento de militares transgêneros pelo Presidente Donald Trump e o perdão do xerife aposentado Joe Arpaio. No mês passado, após seu diagnóstico, ele retornou a Washington para registrar seu voto contra o novo sistema de saúde. Ele continua a exortar seus colegas a comprometerem-se a trabalhar em várias questões, incluindo seu antigo sonho da reforma na imigração.
Nesse caso, o heroísmo nunca esteve relacionado a guerrear imprudentemente contra adversários invencíveis, e sim a lutar pacientemente e ininterruptamente pelo que lhe parece certo. Este é o poder de lutar por algo significativo.
Da próxima vez em que assistirmos a uma figura pública, ou membro da família ou amigo, que esteja lidando com uma doença limitadora da vida, sejamos livres para usar a metáfora se ela parecer pertinente, mas com um pequeno ajuste. No lugar de “Você pode vencer isso”, tentemos “Posso ajudar você a lutar pelo que?”
***O texto original pode ser acessado gratuitamente no link a seguir: https://www.usatoday.com/story/opinion/2017/08/28/dont-fight-terminal-illness-fight-for-winnable-goals-kathryn-kirkland-column/553735001/
Kathryn B. Kirkland é diretora de medicina paliativa na Dartmouth’s Geisel School of Medicine e fellow em Public Voices no OpEd Project.
31 de dezembro de 2017 às 09:52
Texto muito rico e verdadeiro. Aprendi muito! Obrigada!!
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3 de janeiro de 2018 às 21:01
O aprendizado é sempre valioso quando se trata do fim da vida, Patrícia! Eu é que agradeço! Bj!
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31 de dezembro de 2017 às 14:41
Maravilhoso! Jamais conseguiria pensar assim se não tivesse lido esse artigo. Preciosa lição.
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3 de janeiro de 2018 às 21:00
O convívio com essas pessoas nos traz a oportunidade valiosa de identificar pontos de vistas que nunca veríamos por nós mesmos, Ludmilla. Por isso amo tanto trabalhar com Cuidados Paliativos. Obrigada pelo seu comentário! Bj!
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Pingback: ATENÇÃO PLENA E O PODER DA LINGUAGEM – Cristina Monteiro
26 de janeiro de 2018 às 12:46
Gostaria que soubesse quanto seus artigos são importantes para mim. Sempre pensei dessa forma, mas nunca encontrei eco onde quer que fosse, a não ser comentários que eu era insensível e desanimadora ao falar da finitude da vida e em como ela deveria ser aproveitada até o final. Muito obrigado, mesmo !!!! bjs
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1 de fevereiro de 2018 às 20:48
Cecília, sua voz está longe de ser solitária. Vemos todos os dias pessoas sofrendo desnecessariamente por serem estimuladas a acreditar em objetivos inalcançáveis, e não se prepararem para o desfecho da vida (que, na verdade, é a única certeza que todos temos). Obrigada pelo seu comentário. Vc é sempre muito bem vinda aqui. Bj!
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