Precisamos Melhorar os Cuidados Paliativos, Não a Morte Assistida

suicidio 2No último dia 09/09 o jornal The Guardian publicou um artigo da médica Zara Aziz sobre a necessidade urgente de melhorar os Cuidados Paliativos na Inglaterra.

Ela começa seu texto relembrando os tempos em que era estudante de Medicina, quando aprendia a salvar vidas e a aliviar o sofrimento, mas jamais aprendeu a interromper uma vida. Isso porque seu artigo fala justamente sobre uma emenda judicial em tramitação em seu país segundo a qual um paciente terminal (com menos de 6 meses de expectativa de vida) poderia ter acesso à prescrição de medicações letais e ser assistido por profissionais da saúde durante sua administração, o que culminaria com sua morte. A aplicação teria que ser aprovada por 2 médicos, sendo um deles o profissional que já vinha assistindo o paciente e o segundo um médico independente. Seria feita a análise da capacidade do paciente para tomar uma decisão como essa (excluindo-se coerção ou outros motivos). Por fim um conselho técnico aprovaria o procedimento, sem a necessidade de um juiz. O médico responsável prescreveria a medicação e forneceria todas as condições para que a mesma fosse administrada, mas não administraria ele próprio o medicamento. Isso seria feito pelo próprio paciente.

Zara se mostrava extremamente desconfortável com a proposta da lei, tanto quanto eu mesma fiquei. No convívio diário com pacientes em seus últimos dias de vida, é raro nos depararmos com situações nas quais o paciente pede ajuda para provocar a própria morte. Seus pedidos são muito mais voltados para o alívio de seu sofrimento, para que tenham condições de viver dignamente até que a morte chegue naturalmente. Nesses casos, fala-se sobre as expectativas dos pacientes e das famílias para essa fase final da vida, e sobre o que eles desejam que seja feito. Em geral pedem para que não sejam feitas medidas heroicas, como entubações, ressuscitação cardíaca ou outros procedimentos. Mas isso é bem diferente de agir de forma deliberada para provocar a própria morte. A morte só é uma opção atraente quando o sofrimento é intolerável, e isso em só acontece quando o cuidado que o paciente recebe não é adequado.

Não é difícil compreender os motivos que levariam alguém a pedir para morrer. O sofrimento provocado por certas doenças – em especial o câncer – pode ser apavorante. Mas, apavorante comparado a que? Uma pessoa saudável pode achar apavorante ter uma unha encravada latejante bem no dia do jogo de futebol. Mas para alguém que tem câncer, o referencial é outro. A unha encravada pode ser motivo de uma piada para alegrar seu dia! Cabe ao médico e equipe de saúde compreender o que é que aquele paciente considera insuportável e trabalhar incansavelmente para evitar que passe por isso.

O que não podemos é imaginar um mundo no qual é mais fácil legalizar medidas que abreviem uma vida difícil do que instituir estruturas e educação adequados para melhorar o cuidado a essas pessoas. A morte assistida é mais barata e menos trabalhosa. Verdade. Mas jamais pode ser uma alternativa mais prática aos Cuidados Paliativos bem feitos. Isso seria o começo do fim.

*artigo publicado no The Guardian:

http://www.theguardian.com/society/2015/sep/09/better-palliative-care-not-assisted-dying

5 respostas para “Precisamos Melhorar os Cuidados Paliativos, Não a Morte Assistida”.

  1. […] Fonte: Precisamos Melhorar os Cuidados Paliativos, Não a Morte Assistida […]

    Curtir

  2. Avatar de Viviani Barbosa
    Viviani Barbosa

    Uma pena essa mentalidade dos ingleses, justamente num país que sempre foi referência em cuidados paliativos.

    Curtir

    1. Avatar de Ana Lucia Coradazzi
      Ana Lucia Coradazzi

      Também acho, Viviani. Mas creio que a conscientização das pessoas é assim mesmo, um processo lento, no qual damos alguns passos à frente e mais uns tantos para trás em seguida. Ainda assim estamos melhorando muito o suporte aos doentes graves, em todos os lugares do mundo. Esse é um caminho sem volta. Bjos!!!

      Curtir

  3. Meu marido teve a. Oportunidade passar seus últimos dias num hospital paliativo em Barretos.realmente e um tratamento diferenciado pro doente e familiares.Dra Marina cuidou dele com tanto carinho e dedicação ,fez toda a diferença em nossas vidas .

    Curtir

    1. Avatar de Ana Lucia Coradazzi
      Ana Lucia Coradazzi

      O hospital de Barretos é fantástico, Bela! Faz a diferença na vida de muita gente.

      Curtir

Deixar mensagem para Bela Cancelar resposta

sobre mim

Sou Ana Coradazzi, médica oncologista clínica e paliativista. Apaixonada desde sempre pela escrita e seu impacto na vida das pessoas, decidi transformar as inúmeras experiências valiosas com pacientes oncológicos em histórias, que divido aqui com todos vocês.

Artigos Recentes