No Final do Corredor

histórias, experiências e lições de vida

19 de março de 2016
Ana Lucia Coradazzi

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O Legado

Woman holding a bunch of cut flowers (Dahlia sp.) in Summer, focus on foreground, close-up, UK

A última semana foi talvez a mais tensa que já presenciei desde que me entendo por gente – e por brasileira. Assistimos a opiniões fanaticamente divergentes, a cenas assustadoras, a conflitos até há pouco tempo inimagináveis. Vimos cenas de união comoventes e apaixonadas, e fomos da esperança ao caos, e de novo à esperança, várias vezes. Uma semana confusa, difícil e histórica. Foi bem no meio disso tudo que Dona Maria de Lourdes – ela mesma, que já tinha me emocionado com suas palavras simples há algum tempo atrás – veio ao consultório para me surpreender mais uma vez.

Ela veio com a filha, que estava exaltada com a situação do país e, como todos os brasileiros, completamente envolvida pelos últimos fatos. Começamos a conversar e Dona Maria de Lourdes, como é típico dela, mantinha-se num silêncio respeitoso, sorrindo discretamente. Após alguns minutos, olhei para ela e perguntei o que achava de tudo aquilo. Ela sorriu e, depois de um suspiro tranquilo e um pouco nostálgico, respondeu:

– Eu acho, doutora, que se cada governante, cada empresário, cada político, cada brasileiro pudesse ter a experiência real de sentir que vai morrer, nós não precisaríamos passar por nada disso. Quando a gente sente de verdade que é mortal como qualquer outro, que não é mais importante que ninguém, a gente passa a se preocupar com o que vamos deixar quando morrermos. A gente se empenha em deixar boas lembranças para as pessoas que a gente ama, em fazer coisas boas para a cidade em que a gente vive e, se possível, para o país em que a gente nasceu. A gente pensa todo dia se está sendo útil, se está fazendo mal a alguém, se poderíamos fazer alguma coisa a mais. A gente fica preocupado em ser lembrado com carinho, com respeito, com amor. A gente entende que só vai fazer parte das melhores lembranças dos outros se fizermos por merecer. É uma questão de ficar preocupado com o nosso legado, sabe?

Olhei para ela, com ainda mais admiração pela pessoa gigantesca dentro daquele corpinho minúsculo, e pensei comigo que o legado dela, certamente, já tinha superado todas as expectativas.

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