Esta semana foi publicada uma matéria no jornal The Guardian a respeito do Dr. Oliver Sacks, renomado neurologista da Universidade de Columbia, que está enfrentando um melanoma maligno metastático. A autora do texto, Dra. Ranjana Srivastava, é médica oncologista e descreve sua admiração pela atitude sensata e serena do Dr. Sacks ao descrever sua forma de lidar com o diagnóstico e suas expectativas. Procurei o texto original do médico e pude então compreender por que a Dra. Ranjana ficou impressionada. O texto, publicado no New York Times, foi escrito poucas semanas após o diagnóstico, e revela um médico tranquilo e consciente, e acima de tudo grato pelas oportunidades que teve em sua vida. O depoimento do Dr. Sacks é um exemplo de sensatez e serenidade, que vale muito a pena ser lido. Segue abaixo a tradução livre do texto dele, bem como o link da matéria original. Boa leitura!!!
MINHA PRÓPRIA VIDA, por Oliver Sacks (fev/2015)
Um mês atrás, eu me sentia plenamente saudável. Aos 81 anos, eu ainda nadava uma milha diariamente. Mas minha sorte me abandonou – há algumas semanas descobri que estava com múltiplas metástases no fígado. Nove anos atrás eu tive o diagnóstico de um tumor raro no olho, um melanoma ocular. A radioterapia e o tratamento com laser realizados para remover o tumor me deixaram cego desse olho. Eu sabia que os melanomas oculares evoluem com metástases em cerca de 50% dos casos, e dadas algumas particularidades do meu caso, minhas probabilidades eram bem pequenas. Eu estava entre os azarados.
Eu me sinto grato por ter conseguido garantir nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico inicial, mas agora estou cara-a-cara com a morte. O câncer comprometeu um terço do meu fígado, e apesar de sua evolução lenta, ele não pode ser curado.
Agora cabe a mim escolher como vou viver nos meses que me restam. Tenho que viver da forma mais rica, profunda e produtiva que eu puder. Nisso me sinto encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, o qual após descobrir que estava com uma doença fatal aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia em abril de 1776. O título era “My Own Life” (“Minha Própria Vida”).
“Eu agora gostaria de um final rápido”, ele escreveu. “Eu tive muito pouca dor pela minha doença e, o que é mais estranho, apesar da importante deterioração do meu corpo, nunca experimentei momentos de abatimento do meu espírito. Tenho o mesmo ardor de sempre ao estudar, e a mesma alegria na companhia dos outros.”
Eu tive sorte suficiente para passar dos 80, e os 15 anos que tive a mais que Hume foram tão ricos em trabalho e amor quanto os dele. Nesses quinze anos, publiquei cinco livros e completei minha autobiografia (bem mais longa e completa que as poucas páginas de Hume), a qual será publicada nesta primavera. Tenho vários livros quase terminados.
Nesses últimos dias, tenho sido capaz de enxergar minha vida de uma grande altitude, de uma espécie de penhasco, e com um profundo sentimento de conexão com todas as suas partes. Isso não significa que minha vida acabou. Pelo contrário, eu me sinto intensamente vivo, e eu quero (e espero), no tempo que me resta, poder aprofundar minhas amizades, me despedir das pessoas que eu amo, escrever mais, viajar se eu estiver forte o suficiente para isso, atingir novos níveis de compreensão e visão.
Isso envolve audácia, clareza e objetividade; quero tentar acertar minhas contas com o mundo. Mas quero ter tempo, também, para a diversão (e para algumas bobagens, é claro). Eu sinto uma clara e súbita perspectiva de futuro. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso manter o foco em mim mesmo, meus amigos e meu trabalho. Não tenho mais que assistir “NewsHour” toda noite, ou prestar atenção na política ou em argumentos sobre o aquecimento global. Isso não significa indiferença, e sim desapego – eu ainda me preocupo profundamente com o aquecimento global, com as desigualdades, etc, mas isso não é mais da minha conta; esses assuntos pertencem ao futuro. Eu me alegro quando encontro pessoas jovens – mesmo aquelas que biopsiaram e diagnosticaram minhas metástases. Eu sinto que o futuro está em boas mãos.
Eu tenho tido notícias cada vez mais frequentes, nos últimos dez anos ou mais, das mortes de meus contemporâneos. Minha geração está partindo, e eu sinto cada morte como se fosse prematura, como se parte de mim tivesse se rasgado. Não haverá ninguém igual a nós quando partirmos, mas também não haverá ninguém igual a nenhuma outra pessoa, nunca. Quando as pessoas morrem, elas não podem ser repostas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois o fato é que cada ser humano é único. Cada um encontra sua própria missão, vive sua própria vida, e morre sua própria morte.
Eu não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado; eu doei muito e recebi muito de volta; eu li e viajei e pensei e escrevi. Eu tive uma relação especial com o mundo, a relação dos escritores e leitores.
Acima de tudo, eu fui um ser capaz de sentir e pensar neste planeta lindo, o que por si só já é um enorme privilégio e aventura.
Leia o texto original em:
http://www.nytimes.com/2015/02/19/opinion/oliver-sacks-on-learning-he-has-terminal-cancer.html?_r=0
2 de agosto de 2015 às 05:46
Gostei muito que tivesse dado conta do texto do Dr. Oliver Sacks.
Na qualidade de “curioso” li alguns livros dele que se baseiam em casos clínicos.
Gostei muito do livro ” A Homem que confundiu a mulher com um chapéu.
O azarado da situação terá alguma relação genética. Não morremos devido a doenças que têm uma base aleatória. Por isso ele agradece aos colegas que o trataram.
CurtirCurtir