No Final do Corredor

histórias, experiências e lições de vida

26 de julho de 2015
Ana Lucia Coradazzi

1 comment

My Own Life, por Oliver Sacks

Esta semana foi publicada uma matéria no jornal The Guardian a respeito do Dr. Oliver Sacks, renomado neurologista da Universidade de Columbia, que está enfrentando um melanoma maligno metastático. A autora do texto, Dra. Ranjana Srivastava, é médica oncologista e descreve sua admiração pela atitude sensata e serena do Dr. Sacks ao descrever sua forma de lidar com o diagnóstico e suas expectativas. Procurei o texto original do médico e pude então compreender por que a Dra. Ranjana ficou impressionada. O texto, publicado no New York Times, foi escrito poucas semanas após o diagnóstico, e revela um médico tranquilo e consciente, e acima de tudo grato pelas oportunidades que teve em sua vida. O depoimento do Dr. Sacks é um exemplo de sensatez e serenidade, que vale muito a pena ser lido. Segue abaixo a tradução livre do texto dele, bem como o link da matéria original. Boa leitura!!!

MINHA PRÓPRIA VIDA, por Oliver Sacks (fev/2015)

Um mês atrás, eu me sentia plenamente saudável. Aos 81 anos, eu ainda nadava uma milha diariamente. Mas minha sorte me abandonou – há algumas semanas descobri que estava com múltiplas metástases no fígado. Nove anos atrás eu tive o diagnóstico de um tumor raro no olho, um melanoma ocular. A radioterapia e o tratamento com laser realizados para remover o tumor me deixaram cego desse olho. Eu sabia que os melanomas oculares evoluem com metástases em cerca de 50% dos casos, e dadas algumas particularidades do meu caso, minhas probabilidades eram bem pequenas. Eu estava entre os azarados.

Oliver SacksEu me sinto grato por ter conseguido garantir nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico inicial, mas agora estou cara-a-cara com a morte. O câncer comprometeu um terço do meu fígado, e apesar de sua evolução lenta, ele não pode ser curado.

Agora cabe a mim escolher como vou viver nos meses que me restam. Tenho que viver da forma mais rica, profunda e produtiva que eu puder. Nisso me sinto encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, o qual após descobrir que estava com uma doença fatal aos 65 anos, escreveu uma curta autobiografia em um único dia em abril de 1776. O título era “My Own Life” (“Minha Própria Vida”).

“Eu agora gostaria de um final rápido”, ele escreveu. “Eu tive muito pouca dor pela minha doença e, o que é mais estranho, apesar da importante deterioração do meu corpo, nunca experimentei momentos de abatimento do meu espírito. Tenho o mesmo ardor de sempre ao estudar, e a mesma alegria na companhia dos outros.”

Eu tive sorte suficiente para passar dos 80, e os 15 anos que tive a mais que Hume foram tão ricos em trabalho e amor quanto os dele. Nesses quinze anos, publiquei cinco livros e completei minha autobiografia (bem mais longa e completa que as poucas páginas de Hume), a qual será publicada nesta primavera. Tenho vários livros quase terminados.Oliver Sacks frase

Nesses últimos dias, tenho sido capaz de enxergar minha vida de uma grande altitude, de uma espécie de penhasco, e com um profundo sentimento de conexão com todas as suas partes. Isso não significa que minha vida acabou. Pelo contrário, eu me sinto intensamente vivo, e eu quero (e espero), no tempo que me resta, poder aprofundar minhas amizades, me despedir das pessoas que eu amo, escrever mais, viajar se eu estiver forte o suficiente para isso, atingir novos níveis de compreensão e visão.

Isso envolve audácia, clareza e objetividade; quero tentar acertar minhas contas com o mundo. Mas quero ter tempo, também, para a diversão (e para algumas bobagens, é claro). Eu sinto uma clara e súbita perspectiva de futuro. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso manter o foco em mim mesmo, meus amigos e meu trabalho. Não tenho mais que assistir “NewsHour” toda noite, ou prestar atenção na política ou em argumentos sobre o aquecimento global. Isso não significa indiferença, e sim desapego – eu ainda me preocupo profundamente com o aquecimento global, com as desigualdades, etc, mas isso não é mais da minha conta; esses assuntos pertencem ao futuro. Eu me alegro quando encontro pessoas jovens – mesmo aquelas que biopsiaram e diagnosticaram minhas metástases. Eu sinto que o futuro está em boas mãos.

Eu tenho tido notícias cada vez mais frequentes, nos últimos dez anos ou mais, das mortes de meus contemporâneos. Minha geração está partindo, e eu sinto cada morte como se fosse prematura, como se parte de mim tivesse se rasgado. Não haverá ninguém igual a nós quando partirmos, mas também não haverá ninguém igual a nenhuma outra pessoa, nunca. Quando as pessoas morrem, elas não podem ser repostas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois o fato é que cada ser humano é único. Cada um encontra sua própria missão, vive sua própria vida, e morre sua própria morte.

Eu não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado; eu doei muito e recebi muito de volta; eu li e viajei e pensei e escrevi. Eu tive uma relação especial com o mundo, a relação dos escritores e leitores.

Acima de tudo, eu fui um ser capaz de sentir e pensar neste planeta lindo, o que por si só já é um enorme privilégio e aventura.

Leia o texto original em:

http://www.nytimes.com/2015/02/19/opinion/oliver-sacks-on-learning-he-has-terminal-cancer.html?_r=0

Um comentário sobre “My Own Life, por Oliver Sacks

  1. Gostei muito que tivesse dado conta do texto do Dr. Oliver Sacks.
    Na qualidade de “curioso” li alguns livros dele que se baseiam em casos clínicos.
    Gostei muito do livro ” A Homem que confundiu a mulher com um chapéu.
    O azarado da situação terá alguma relação genética. Não morremos devido a doenças que têm uma base aleatória. Por isso ele agradece aos colegas que o trataram.

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